Temos uma reforma tributária. E agora?

Antes de se falar da reforma, os cidadãos e os contribuintes precisam compreender o que se quis reformar e por que se quis reformar o sistema tributário nacional. A ainda vigente (a longa transição das normas recentemente promulgadas permite ainda afirmar isso) discriminação constitucional de rendas públicas integra um sistema harmônico, testado ao longo de mais de 35 anos de vigência da Constituição e, por mais que se tenha descolado como referência diante de um emaranhado criado pela legislação infraconstitucional, quase irracional, não merece e não merecia integralmente as críticas que lhes são e foram dirigidas, porque resistiu esse período todo e deu sustentação à autonomia dos Estados, mantendo hígido o sistema federativo de Estado que, aliás, não pode sequer ser amesquinhado, quanto menos abolido (§4º, artigo 60 da Constituição Federal), por proposta de qualquer Emenda Constitucional.

Mais: se mostrou um sistema muito eficiente sob o aspecto da arrecadação, proporcionando no ano passado (2022) arrecadação que alcançou algo próximo a 33,71 % do PIB, arrecadação típica de países desenvolvidos. Sim, é uma carga tributária elevadíssima!

Os adeptos da aprovada ‘reforma’ apregoam que haverá simplificação do sistema e o barateamento do chamado “Custo Brasil”, para se permitir que a produção seja realizada sem as dificuldades criadas pelas estruturas burocráticas e econômicas, pelas obrigações acessórias, etc., e que incrementará a economia, com novos investimentos.

Porém o texto aprovado não é o que aguardou trinta anos, nem quatro. Foi o resultado de ajustes, emendas, interesses e por isso é uma incógnita.

Precipuamente modificou os tributos que incidem sobre o consumo, extinguindo no tempo o ICMS, de competência Estadual, o ISS de competência municipal, o IPI, o PIS e a COFINS de competência federal, substituindo-os por um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de base ampla, criado por lei complementar da União, mas com direcionamento da arrecadação para Estados, Distrito Federal e Municípios (por meio de um Comitê Gestor) e uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), também instituída por lei complementar da União, que será a gestora dessa arrecadação, além de um excêntrico imposto seletivo (de competência da União) incidente sobre bens e serviços prejudiciais á saúde e ao meio ambiente.

A aprovação da PEC da reforma tributária se deu muito rapidamente. Nada foi debatido a fundo. Números foram mostrados sem qualquer base. Apesar de complexo, nada foi apresentado com foros de informação plausível que permitisse saber qual o real impacto que a aprovação da Emenda poderá provocar na economia, na simplificação do próprio sistema, na geração ou diminuição dos postos de trabalho, etc.; nenhum estudo ou projeções econômicas a permitir saber de antemão quais serão os setores que poderão ser atingidos direta ou indiretamente, para o bem ou para o mal. A verdade é que não há expectativa real alguma sobre os reais efeitos da reforma tributária.

Duas conclusões, todavia, parecem certas:

  1. com a supressão das competências dos Estados e DF sobre ICMS e dos Municípios e DF sobre ISS, substituindo o poder de legislar desses Entes sobre essa materialidade e transferindo-a para a União e ainda delegando a gestão, fiscalização, arrecadação e distribuição do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) para um Comitê Gestor, inegavelmente tem-se por afetada a autonomia desses Entes e comprometida, de forma irremediável, a forma federativa de Estado (tal qual a concebemos), em flagrante afronta ao §4º, art. 60, CF;
  2. caso se adote a alíquota de referência entre 25% e 30% para os dois tributos (IBS e CBS), como se apregoa (em substituição a dos tributos que serão substituídos), haverá inevitável e exponencial aumento da carga tributária para todo o segmento de serviços, agroindústria e mesmo o comércio.

 

Só iremos conhecer verdadeiramente a propalada reforma após a edição das inúmeras leis complementares previstas no texto, mas um efeito já estamos sentindo em vários Estados da federação como reflexo da promulgação da PEC: a elevação da carga do ICMS.

Vladimir Rossi Lourenço – Advogado

Sócio de Rossi Lourenço Advogados

Fale conosco
Escanear o código